Dito 52 : Amancio
Amancio
Amancio Seijo
Filósofo de Santomé
A feira de Cartelle
1
Um dia quatro coma hoje,
coma hoje primavera,
Amancio Seijo Pernea
saiu caminho da feira.
2
Saiu cos nervos na pele,
polo caminho a Cartelle.
nim à mulher lho dixera,
nim sabia que ía a fazer.
3
Bulindo coma bulia,
coa su boina de ladeira,
bulindo bem decidido
cara a conquista da feira.
4
Amancio Seijo Pernea
que casou em Santo Tomé,
dos Perneas de Xestosa,
vaiche garrido a Cartelle,
5
polo sol do mediodia
olhando à Lusitania
vai um home bem garrido,
filho dos eidos das xestas.
6
Pode que mercar um marrao,
ou mercará uma perica,
e decidiu marchar a pé,
sem ninguma companhia.
7
Pola serpe do Tapado :
esqueceu-me a fouce na man,
mecágona !, sosprendido.
Bem, levo-a de companheira !.
8
Ao sair tam apurado,
sequera pensara nela.
Virás canda mim foucinha,
serás minha companhia.
9
Entom, ja nom diu a volta,
colhera-lhe certa presa,
ainda que nom che sabia
o cometido pra empresa.
10
Tampouco conta se dera,
da sombrinha no pescozo.
Entendia-se algo mais,
pois é uma parte do corpo.
11
Com aquelas duas armas,
sentiu-se um cavaleiro,
um cavaleiro medieval,
que escusava de cavalo.
12
Declaro a guerra ò caminho !,
ergueu a fouce bem alta.
Empezou chimpando as silvas
que ameazavam sua cara.
13
A fouce na man direita,
deixava as silvas em linha.
A sombrinha na esquerda,
cousa que vinha, retinha.
14
Qualquer retono ou folhinha,
que quigera botar-se a el,
abaneando a sombrinha,
punha-a no caldo quecer.
15
O intruso que aparecera
por qualquera das duas beiras,
Amancio lhe arremetia,
caindo redondo à terra.
16
Guerreavache coas duas mans.
Tanto tinha silva ou tojo
o qualquer erva enemiga,
fo-se um chupom ou retono.
17
Um retono mimoseiro,
morre ehi!, mimosa podre,
saca-te do meu caminho,
aparta-te de mim, morre.
18
Pola reta de Baldariz,
vam tremendo as ervas todas,
sintindo ò cavaleiro vir,
tremen ervas e cunetas.
19
Fuge silva, som o demo !,
apartar-me condenada !,
vas-te botar a mim !, zas zas !,
sai de ahí envelinada !.
20
Ai, meigalhos dos codessos !
escondede a vosa fror,
ou quedaredes sem ela,
sem fazer conjuros de amor.
21
Giesta, queres-me comer, ou!.
Hoje doeranche as costas,
por pór-te na minha senda
durmirás junto as raposas.
22
Tojos fora, que vos fendo !,
apartade do caminho,
eu nom responderei por vós,
zas zas, ahí quedas cangalho !.
23
Amancio Seijo chamado,
filho e neto de Xestosa,
deixou as cunetas limpas
e deixou limpas as beiras.
24
E ja chegado a Cartelle
foi a saudar aos parentes.
Eram primos de Florinda,
protocolárias costumes.
25
Parentes da ferreria,
umos mozazos de Terzas.
Chegas tarde à feira, Amancio.
So vinhem por uma peza.
26
Mira Paco, compria-me elí
para minha fouce un mango,
estache moi derramado,
estache velho e rachado.
27
A ver se o tés de carvalho,
carvalha ou carvalho velho,
que seja o mor duro que haxa,
iste ja o tenho gastado.
28
Nom daria feito a colheita.
Nos nascimos para colheitar,
senom de que viviriamos.
Somos filhos das colheitas.
29
Um home tamém sementa.
Com sementeira há colheita.
Levar as vacas a pacer,
de campo, e na erva boa,
30
se queremos ter bem leite,
que é o noso sustento.
Leitinho enxebre, da casa,
um leite que hai que ganha-lo.
31
O leite mazado, sabes ?,
e moi bo pro organismo,
aqueles fermentos, que tem,
seica che som boísimos.
32
Rematada a conversa,
co mango da fouce novo,
foi a norear pola feira,
coma um novo cavaleiro.
33
Abriu bem grandes os olhos
e viu uma feira nova,
feira que nunca antes vira,
uma feira moi mágica.
34
Chegaba gente à romaria.
Pulpeiras de jeito druida,
nas mans peixes de oito lombos,
numa feira fantasia.
35
Outra gente ja marchaba,
abelhas, pólen ò lombo
voltavam sem saber onde,
ficavam-se no Semjeito.
36
Gente com cara pavia
remexiam cos animais,
entra carne prohibida,
gente com lume nas beiras.
37
Sereias que traiam peixes,
vindo do Cabo do Mundo.
Fumegavam as caldeiras,
peixes e jantar de abondo.
38
As árvores centenárias
do velho campo da feira,
paseavam vacas sagradas,
cumhos sedenhos de prata.
39
Nereidas, vidas do Olimpo
fam de azafatas na feira.
Os seus corpinhos perfeitos,
deixam parmado a Amancio.
40
Pulpeiras cocendo polbo
em enormes potas de ouro,
zume daurado de oliva
e purpurina vermelha.
41
Profetas dam queixo a probar,
facendo as suas profecias,
dam sua bendiçom a todos
e dam conselhos sem cobrar.
42
Anjos que venhem dos montes
com queipos verdes nas áas.
Queipos cheios de verduras
com relumbres marmóreas.
43
Vendem plantios luminosos,
plantas que plantan-se soas.
Vendem planetas vermelhos,
verdes, de varias medidas.
44
Regalam planetas brancos
coma se foram laranjas
e umas bolinhas pequenas,
que latejam quando as miras.
45
Voam estrelas marelas,
quentes de ferver de fragua,
ardentes coma umhos soles,
chisporroteando nas mans,
46
botando foguetes ò ar.
Hai sementes de todo clas
de toda planta e animal,
em saquetas de preisilás
47
Bolas de vidro gigantes
rodando polas carreiras,
onde se vem outros mundos,
que podes jogar com elas.
48
Ervas que sanam-o tudo,
chancos de madeira nobre
de castinheiro das Indias
com uma pele sagrada.
49
Pele de animal sagrado,
uma pele feitizada
com ervinhas vidas do além,
com untos de outros mundos,
50
que chegaram polo ceo
traidas por uns anjinhos
ata o coto de Novelle,
em carrinhos coma ovos.
51
Hai uma taverna coral.
Canta-se, namentres comem
uns manjares de Deuses
numas taboas invisiviles.
52
Néctar de sudor de terra
de púrpura purpurina,
bebem em jerras de ouro
meninhos voando polo ar.
53
Os peixes do ultramar
apertados pola vergem
do mar, a virgem do Carmo
choutam em queipos de acivre.
54
As viandas, que bendecidas
pola virgem da Marinha,
asam num lume sem brasa
em vidros na lareira.
55
Os corpos sacrificados
nos altísimos penedos,
alá em Cabeza de Vaca,
no mais estrito silenzo.
56
Olhando de cara ò Minho,
som a Cartelle traidos,
no seram da sexta feira,
os dias quatro e dezaoito.
57
Coa sua fouce coma nova,
Amancio, um cavaleiro,
nom sabia a que fora,
cabilou pra si, que era o seu.
58
Meu Deus, habera no Mundo
feira coma de Cartelle ?.
Coma esta feirinha nom hai,
penso que nom, impossível.
59
Festou atras e diu volta,
e com esse pensamento,
dixo-lhe adeus à feira,
cos olhinhos relumbrados.
60
Ergueu de novo a fouce ò ar.
Mangou de novo a sombrinha,
declarou guerra ò caminho.
Comezou a sua marcha atrás.
61
Hai um ejército em luta
polo seu flanco dereito.
Numa formaçom contra del,
umhos báculos de bispo,
62
dirigidos polas folhas
de uns fentos acenando
a uns moi altos pinheiros,
que espolvoream, co aceno,
63
umhos incensos de esporas,
na congregaciom de bispos,
por tudo o campo de fentos,
polo seu flanco dereito.
64
E pola ladeira esquerda,
atacavam as agulhas,
que saiam dumas serpes
polo vento abaneadas.
65
Intentávanche feri-lo
e coseu-nas coa sombrinha,
que parou ao ejército
abrindo-se coma palmeira.
66
Nuve de frechas agudas,
de aquelas serpes saiam,
cheinhas de flores brancas
coma dum veleno mortal.
67
Som o cavaleiro Amancio,
que nas gestas som o melhor !.
Ninguém se lhe resistia.
Dono de xesta e codessos.
68
E com aquel aire de herói
de conto, entrou Amancio
polo fondinho do lugar,
triunfante polo cruceiro.
69
Calcou bem o boina à testa,
disposto a entrar ja no Curro,
coa fouce na man direta,
da aventura satisfeito.
70
Ò aparecer polo Curro,
Florinda, moi procupada :
Anduvemos-te buscando,
berramos-te polas leiras.
71
Teus nenos chorimicando,
pensarom que te perderas.
Pensavamos num tropezo,
ou que o mellor te mancaras.
72
Ninguém soubo nada de ti,
fomos com rapazes e cans :
E logo a onde anduveches ?
Marchas assim de súpeto !
73
Bem, nom pasou nada mulher,
aproveitei pra ir a feira
a cambear-lhe o mango à fouce,
estava rachado de mais,
74
pugem-lhe um mango novo.
Hoje na feira havia magia.
Fiquei parmado co que vim !,
doutro Mundo parecia !.
75
Saudei òs teus parentes,
mándanche muitos bicos.
Se che parece bem douche-os,
bem depois de xantar, claro.
76
Venha, dixo entom Florinda :
galopim, vai, lava a cara !
e lava-te tamém mans,
eu vou pór o caldo a quentar !
77
Florinda era pequena.
A novinha dos Moneas.
Era ela a flor mais nova,
era a flor mais pequena.
78
Uma florcinha do Curro,
pequeninha e branquiña,
que competia coas rosas,
e competia coas hortensas.
79
Meu Deus, que perda iste home!
fai o que lhe vem em gana,
cousa algunha de proveito,
co travalho que hai na casa !.
80
Amancio Seijo Pernea,
que nom quixo comprar radio,
dizia que falava sola.
Bem perneava o home, ho !.
A Amancio Seijo in memoriam
Foto :/ Amancio no Curro, Xulho de 2005
Moradelha editora